“Li’l
Abner”
‘Ele gostava de beliscar as garotas e ser obsceno... se expunha e fazia todos os tipos de coisas
encantadoras’. - Edie Adams sobre Al Capp.
C&N
Seguindo o exemplo de Finian’s Rainbow, “Li’l
Abner” foi
uma
fantasia musical situada numa comunidade rural sulista, que lançava
flechadas
satíricas nas condições sociais existentes. Aqui os alvos principais são a
propensão do governo a demolir áreas para testes de bombas atômicas,
militares
de direita, políticos ineficientes e a conformidade das pessoas. O resultado
foi
simplesmente um dos shows mais engraçados e mais inteligentes de todos os
tempos. Personagens vivamente bem traçados, música animada de Gene de Paul, letras
engraçadíssimas e
satíricas de Johnny Mercer com
rimas
engenhosas e um libreto ridiculamente oportuno e atemporal (tem até uma
música
sobre engenharia genética!) pelos mestres da farsa Norman Panama e Melvin Frank, coreografia
inventiva e
espirituosa pelo muito subestimado Michael Kidd, orquestrações
precisas,
perfeitas e penetrantes por Phil
Lang, e atuações maravilhosas de todo o elenco.
Baseado nos
quadrinhos de Al Capp (que
ironicamente mais tarde adotaria algumas das visões que o show
ridicularizava),
Li’l Abner se passa em Dogpatch (Brejo Seco,
no
Brasil), EUA, onde a minusculamente vestida Daisy Mae (Violeta)
está
sempre tentando agarrar o fortão e simplório Abner Yokum (Ferdinando
Buscapé) para se casar. Lá também temos Marryn’ Sam (Samuel
Casamenteiro), que leva o povo para cantar louvores ao general mais
incompetente do sul, Jubilation T.
Cornpone, onde o grande evento anual era (assim
como o grande número do musical) a corrida no folclórico feriado local, onde
toda solteirona perseguia freneticamente rapazes igualmente solteiros, no Dia da Maria Cebola
(Sadie’s Hawkins’
Day).
A
gravação do Original Broadway Cast, 1956 (Columbia/Sony) deste hit, é um daqueles CDs
imprescindíveis
em qualquer coleção, trazendo como bônus um single de Rosemary Clooney de uma ótima
canção
que foi cortada do show (“It’s a
Nuisance
Having You Arround”), e uma faixa instrumental de Percy Faith de outra que ficou de
fora
(“The Way to a Man’s Heart”), que
faz
estender sua duração para generosos 72 minutos. O resultado é uma gravação
de
primeira classe de um estrondo da Era de
Ouro da Broadway, supervisionado pelo lendário Goddard Lieberson, o maior produtor
de
gravações de Cast Members de
todos
os tempos. Aqui podemos conferir o sotaque tipicamente caipira de Brejo Seco, já que quando as
tiras eram traduzidas para o português, o sotaque não era traduzido no
Brasil.
Ou seja, entre nós, os personagens falavam gramaticamente
perfeito.
Peter
Palmer, ainda que ligeiramente duro,
é um
Ferdinando tão ideal que
atravessou períodos difíceis para conseguir emprego depois. Edith (Edie) Adams canta docemente
e
bem sexy como Violeta, e
de
Stuby Kaye com seu Samuel Casamenteiro brilha e
são
dele os showstoppers do musical
(assista aqui Peter Palmer e Stuby Kaye declarando que “The Country's In the Very Best of
Hands”, quando retornam de uma viagem a
Washington DC). Se pudesse ter apenas um desejo, seria que Charlotte Rae, como Chulipa Buscapé (Mammy
Yokum), tivesse uma música só dela, ao invés de só alguns versos no
número
de abertura. A direção musical de
Lehman
Engel exibe grande verve desde a primeira nota rockabilly da abertura.
A
versão para as telas da Paramount de
Li’l
Abner (As Aventuras de Ferdinando, 1959) teve direção de Melvin Frank (Um Toque de Classe, Prisioneiro da
Segunda
Avenida) e é tida como uma das mais fiéis de sua época, mantendo muito
do score da Broadway, e alguns dos
atores
principais, assim como o desenho de produção originais dos palcos. Mas temos
algumas surpresas na gravação com o Film
Soundtrack, 1959 (Columbia).
Dentre os prós: Peter Palmer
está
muito mais descontraído, os novos arranjos de Nelson Riddle são vivazes e
revigorantes, e a gravação é do começo ao fim em estéreo. Mas há os contras:
algumas das canções do palco desapareceram, uma balada nova (“Otherwise”) não se iguala àquela
que
ela substitui (“Love in a Home”),
algumas das letras de Mercer
foram
emburrecidas para o filme, e Imogene
Lynn, a voz que dubla a Violeta
de Leslie Parrish, não tem tanto
estilo como a de Edith (Edie)
Adams,
a sua contrapartida dos palcos. Ainda não lançado em CD, o LP é um prazeroso
souvenir de uma das melhores transcrições dos palcos para as telas dos anos
1950, e pode ser conferido em DVD (Paramount, não lançado no Brasil).
Confira
aqui o número “Dont That Take the Rag Off of the
Bush”
As
comédias musicais, em especial
aquelas do
tipo “bem engraçadas”, por vezes têm pouca atenção na Broadway,
enquanto
que musicais “com mensagem” ganham a aprovação da crítica. Claro que
nem
sempre foi assim. Houve um tempo onde os shows podiam fazer qualquer coisa
para
arrancar uma risada, sem nenhum pudor sobre seu esforço para agradar. Se
pensarmos em algumas das comédias musicais mais engraçadas da história da
Broadway, como Hellzapoppin (1938), Little Me (1962), Whopee! (1928), Cocoanuts (1925), A
Funny Thing Happened on the Way to the Forum (1963), Two
on the Aisle (1951), Sugar Babies (1979) ou The
Mad Show (1966) – montado Off-Broadway –, com exceção de Forum, raramente são remontadas.
É claro que temos que admitir que a maior
parte delas eram star vehicles,
feitas sob medida para o talento de veteranos tais como Olsen & Johnson, Sid Caesar, Eddie Cantor, ou os Irmãos Marx, mas eles faziam as
plateias rolarem de rir. Sem dúvida, o triunfo de The
Producers (2001) ajudou a trazer a “comédia” de volta à
“comédia musical”. Em sua esteira seguiram-se musicais
engraçadíssimos,
como Hairspray (2002), Avenue Q (2003 na Broadway), Spamalot (2005), Drowsy Chaperone (2006), até o
recente sucesso de Book of Mormon (2011).
Felizmente para nós, temos a versão filmada de Li’l
Abner recriando, fielmente, a alegria estridente de uma das maiores
e
mais apalermadas conquistas do teatro musical, para lembrar-nos de um tempo
quando este tipo de exuberância era tão típico quanto um dia típico em Brejo
Seco.
Cláudio Erlichman
é
publicitário
e produtor
cultural.
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