5 de junho de 2012

“Li’l Abner”


Lil Abner
Ele gostava de beliscar as garotas e ser obsceno... se expunha e fazia todos os tipos de coisas encantadoras’. - Edie Adams sobre Al Capp.
C&N
Seguindo o exemplo de Finian’s Rainbow, “Li’l Abner” foi uma fantasia musical situada numa comunidade rural sulista, que lançava flechadas satíricas nas condições sociais existentes. Aqui os alvos principais são a propensão do governo a demolir áreas para testes de bombas atômicas, militares de direita, políticos ineficientes e a conformidade das pessoas. O resultado foi simplesmente um dos shows mais engraçados e mais inteligentes de todos os tempos. Personagens vivamente bem traçados, música animada de Gene de Paul, letras engraçadíssimas e satíricas de Johnny Mercer com rimas engenhosas e um libreto ridiculamente oportuno e atemporal (tem até uma música sobre engenharia genética!) pelos mestres da farsa Norman Panama e Melvin Frank, coreografia inventiva e espirituosa pelo muito subestimado Michael Kidd, orquestrações precisas, perfeitas e penetrantes por Phil Lang, e atuações maravilhosas de todo o elenco.
Baseado nos quadrinhos de Al Capp (que ironicamente mais tarde adotaria algumas das visões que o show ridicularizava), Li’l Abner se passa em Dogpatch (Brejo Seco, no Brasil), EUA, onde a minusculamente vestida Daisy Mae (Violeta) está sempre tentando agarrar o fortão e simplório Abner Yokum (Ferdinando Buscapé) para se casar. Lá também temos Marryn’ Sam (Samuel Casamenteiro), que leva o povo para cantar louvores ao general mais incompetente do sul, Jubilation T. Cornpone, onde o grande evento anual era (assim como o grande número do musical) a corrida no folclórico feriado local, onde toda solteirona perseguia freneticamente rapazes igualmente solteiros, no Dia da Maria Cebola (Sadie’s Hawkins’ Day).
A gravação do Original Broadway Cast, 1956 (Columbia/Sony) deste hit, é um daqueles CDs imprescindíveis em qualquer coleção, trazendo como bônus um single de Rosemary Clooney de uma ótima canção que foi cortada do show (“It’s a Nuisance Having You Arround”), e uma faixa instrumental de Percy Faith de outra que ficou de fora (“The Way to a Man’s Heart”), que faz estender sua duração para generosos 72 minutos. O resultado é uma gravação de primeira classe de um estrondo da Era de Ouro da Broadway, supervisionado pelo lendário Goddard Lieberson, o maior produtor de gravações de Cast Members de todos os tempos. Aqui podemos conferir o sotaque tipicamente caipira de Brejo Seco, já que quando as tiras eram traduzidas para o português, o sotaque não era traduzido no Brasil. Ou seja, entre nós, os personagens falavam gramaticamente perfeito.
Peter Palmer, ainda que ligeiramente duro, é um Ferdinando tão ideal que atravessou períodos difíceis para conseguir emprego depois. Edith (Edie) Adams canta docemente e bem sexy como Violeta, e de Stuby Kaye com seu Samuel Casamenteiro brilha e são dele os showstoppers do musical (assista aqui Peter Palmer e Stuby Kaye declarando que “The Country's In the Very Best of Hands”, quando retornam de uma viagem a Washington DC). Se pudesse ter apenas um desejo, seria que Charlotte Rae, como Chulipa Buscapé (Mammy Yokum), tivesse uma música só dela, ao invés de só alguns versos no número de abertura. A direção musical de Lehman Engel exibe grande verve desde a primeira nota rockabilly da abertura.
A versão para as telas da Paramount de Li’l Abner (As Aventuras de Ferdinando, 1959) teve direção de Melvin Frank (Um Toque de Classe, Prisioneiro da Segunda Avenida) e é tida como uma das mais fiéis de sua época, mantendo muito do score da Broadway, e alguns dos atores principais, assim como o desenho de produção originais dos palcos. Mas temos algumas surpresas na gravação com o Film Soundtrack, 1959 (Columbia). Dentre os prós: Peter Palmer está muito mais descontraído, os novos arranjos de Nelson Riddle são vivazes e revigorantes, e a gravação é do começo ao fim em estéreo. Mas há os contras: algumas das canções do palco desapareceram, uma balada nova (“Otherwise”) não se iguala àquela que ela substitui (“Love in a Home”), algumas das letras de Mercer foram emburrecidas para o filme, e Imogene Lynn, a voz que dubla a Violeta de Leslie Parrish, não tem tanto estilo como a de Edith (Edie) Adams, a sua contrapartida dos palcos. Ainda não lançado em CD, o LP é um prazeroso souvenir de uma das melhores transcrições dos palcos para as telas dos anos 1950, e pode ser conferido em DVD (Paramount, não lançado no Brasil). Confira aqui o número “Dont That Take the Rag Off of the Bush”
As comédias musicais, em especial aquelas do tipo “bem engraçadas”, por vezes têm pouca atenção na Broadway, enquanto que musicais “com mensagem” ganham a aprovação da crítica. Claro que nem sempre foi assim. Houve um tempo onde os shows podiam fazer qualquer coisa para arrancar uma risada, sem nenhum pudor sobre seu esforço para agradar. Se pensarmos em algumas das comédias musicais mais engraçadas da história da Broadway, como Hellzapoppin (1938), Little Me (1962), Whopee! (1928), Cocoanuts (1925), A Funny Thing Happened on the Way to the Forum (1963), Two on the Aisle (1951), Sugar Babies (1979) ou The Mad Show (1966) – montado Off-Broadway –, com exceção de Forum, raramente são remontadas. É claro que temos que admitir que a maior parte delas eram star vehicles, feitas sob medida para o talento de veteranos tais como Olsen & Johnson, Sid Caesar, Eddie Cantor, ou os Irmãos Marx, mas eles faziam as plateias rolarem de rir. Sem dúvida, o triunfo de The Producers (2001) ajudou a trazer a “comédia” de volta à “comédia musical”. Em sua esteira seguiram-se musicais engraçadíssimos, como Hairspray (2002), Avenue Q (2003 na Broadway), Spamalot (2005), Drowsy Chaperone (2006), até o recente sucesso de Book of Mormon (2011).
Felizmente para nós, temos a versão filmada de Li’l Abner recriando, fielmente, a alegria estridente de uma das maiores e mais apalermadas conquistas do teatro musical, para lembrar-nos de um tempo quando este tipo de exuberância era tão típico quanto um dia típico em Brejo Seco.
Cláudio Erlichman é publicitário e produtor cultural.

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